20/09/2023

A torcida vascaína representa, em minha opinião, um caso clássico de manipulação midiática e seus efeitos sobre o comportamento de multidões.

Por Wevergton Brito Lima*

Na década de 1990 até o início dos anos 2000, o Vasco foi extremamente vitorioso. No entanto, a torcida vivia mal-humorada. Qualquer problema que afetasse o time era de imensas dimensões. Qualquer dificuldade era superdimensionada. “Coisa de torcida de time grande”, diria alguém. Será isso também, mas a vida mostrou que não só.

A mídia, com o Vasco vencedor, procurava agulha em palheiro para encontrar problemas, pois nunca se conformou com um time de subúrbio, com a história que o Vasco construiu, confrontando, orgulhoso, os grandes “bem-nascidos” da zonal sul do Rio de Janeiro.

Com o Vasco dos últimos tempos derrotado e vendido, o tom da mídia muda e com ele, o comportamento do torcedor. Antes intolerante ante qualquer tropeço, aceita todo e qualquer absurdo. Fiz um pequeno estudo, certamente insuficiente para provar definitivamente uma tese, mas que não deixa de apontar claras evidências do fenômeno de manipulação midiática como um dos fatores que fazem a torcida vascaína se conformar e aceitar um papel subalterno no futebol.

Escolhi, para o recorte, dois momentos extremos da história vascaína: 1º) O início da temporada do futebol carioca do ano de 1998, quando o Vasco comemorou em grande estilo seu centenário conquistando a Libertadores e 2º) O início da temporada do futebol carioca do ano de 2021, pior ano da história esportiva do Vasco, com rebaixamento e manutenção na série B.

Para tentar entender como a mídia abordava cada momento, resolvi estudar as chamadas do jornal O Globo sobre o futebol vascaíno, nos sete dias anteriores e posteriores à estreia no campeonato carioca de 1998 e 2021, incluindo a própria estreia, o que significa 14 dias em cada ano.

Classifiquei as chamadas de acordo com o tom que predominava em cada uma. Assim, decidi por três classificações: chamadas POSITIVAS, chamadas NEUTRAS e chamadas NEGATIVAS.

É preciso não confundir chamadas esportivas positivas com as que anunciam vitórias ou chamadas esportivas negativas as que noticiam derrotas. Dependendo da linha editorial adotada, uma chamada pode desmerecer ou diminuir uma vitória (sendo, portanto, em essência, negativa para o vencedor) e, por outro lado, pode justificar e engrandecer uma derrota (sendo, portanto, em essência, positiva para o perdedor).

No início de 1998, a mídia em geral e O Globo em particular tinham dificuldade em fazer chamadas negativas sobre o Vasco, que vinha da recente conquista do Campeonato Brasileiro de 1997 e possuía o que era considerado o melhor elenco do país ou, no mínimo, um dos melhores. Mesmo assim, no período escolhido, as manchetes negativas e neutras superam as positivas. O Vasco estreou no Carioca de 1998 contra o Fluminense no dia 08 de março. Abaixo, as 14 chamadas (em itálico) de O Globo, sobre o futebol vascaíno, do dia 02 a 15 de março de 1998.

2 de março – Vasco vence sem fazer força – POSITIVA

3 de março – Vasco deixa vaga para Edmundo na Taça Libertadores – POSITIVA – O Vasco ainda tinha esperança de contar com Edmundo, vendido para a Fiorentina, para a temporada de 1998.

4 de março – Vasco, uma estreia com muitas ambições – POSITIVA.

5 de março – Vasco derrotado em sua estreia na Libertadores – NEUTRA.

6 de março – Lopes quer explorar a falta de ritmo de jogo do Fluminense – NEUTRA.

7 de março – Donizete diz que o ataque vai engrenar no Clássico – POSITIVA.

8 de março – Vasco quer fazer o Flu dançar no ritmo versátil da tática de Lopes – POSITIVA.

9 de março – Vasco vence pelas mãos de Hugo – NEGATIVA – Obs.: O Vasco venceu o Fluminense por 4 a 3 e O Globo atribuiu a vitória ao goleiro do Fluminense que teria jogado mal.

10 de março – Vasco dá folga a Donizete para driblar a polêmica – NEGATIVA – Obs.: Donizete reclamou ao ser substituído no jogo contra o Flu. Segundo O Globo isso gerou uma “polêmica” que na ocasião todas as partes: jogador, supervisor (Isaías Tinoco) e técnico (Antônio Lopes) negaram ter existido. Na verdade, Donizete precisava ir a Campos, no interior do Rio, para resolver problemas familiares.

11 de março – Donizete pede paz e afirma que não vai mais reclamar – NEGATIVA – Apesar de, como registramos, todos terem negado existir problemas, o Vasco vivia, segundo O Globo, um clima de guerra, a ponto de Donizete “pedir paz”.

12 de março – Vasco deixa vantagem de lado e promete enfrentar o Vila Nova-GO com seriedade – POSITIVA.

13 de março – Vasco empata com Vila Nova e se classifica para as quartas-de-final da Copa do Brasil – NEUTRA.

14 de março – Vasco viaja para o México em busca de dois empates – NEUTRA.

15 de março – Tuca, treinador do Chivas, sabe tudo sobre o Vasco – NEGATIVA.

Placar geral: Positivas – 6, Negativas – 4, Neutras – 4. O Vasco, em 1998 foi, além de campeão da Libertadores, campeão carioca vencendo os dois turnos. O título da chamada (no pé da primeira página) de O Globo noticiando a conquista foi: “Mauro Galvão dá polêmico título estadual ao Vasco”.

Agora vamos para 2021. Qual era o clima naquele início de ano? O Vasco vinha de uma temporada desastrosa, tendo ficado em 7º no campeonato carioca de 2020. Em 2021, a estreia do Vasco no carioca aconteceu no dia 03 de março. Desta forma, o período da coleta de chamadas, do dia 25 de fevereiro até 10 de março, ainda pegou a reta final do Brasileirão de 2020, que devido à pandemia, adentrou 2021. Pasmem os senhores, no período escolhido, as manchetes são todas positivas (6) ou neutras (8). NENHUMA com tom negativo.

25 de fevereiro – Vasco encara o Goiás na despedida de Luxemburgo – POSITIVA – A grande notícia não era a “despedida de Luxemburgo” mas o fato de o Vasco disputar o último jogo do campeonato brasileiro de 2020 já praticamente rebaixado, tendo que vencer o Goiás e tirar uma diferença de 12 gols de saldo do Fortaleza. Além disso, o time cearense teria que perder para o Fluminense.

26 de fevereiro – Como o Vasco foi parar na Série B pela quarta vez – NEUTRA – A chamada é genérica e mencionando os outros rebaixamentos diluiu as responsabilidades de Alexandre Campello e Jorge Salgado (os presidentes do Vasco durante a campanha do rebaixamento, Salgado assumiu em janeiro). Quem lê a matéria conclui que Campello e Salgado não tiveram nada a ver com o assunto. As causas estariam em um passado distante. Talvez em 1898, quando o Vasco foi fundado.

27 de fevereiro – Vasco terá cortes para se adequar à nova realidade – NEUTRA.

28 de fevereiro – Marcelo Cabo é o técnico para tentar retornar a série A – NEUTRA.

01 de março – Cabo chega ao Vasco trazendo perspectiva de jogo ofensivo – POSITIVA.

02 de março – Não houve manchete sobre o Vasco, apenas uma nota destacando MT como umas das “promessas” do Carioca daquele ano – NEUTRA.

03 de março – Fórmula para o acesso – Vasco e Botafogo iniciam estadual testando peças – NEUTRA.

04 de março – Time de garotos do Vasco esbarra na Portuguesa – POSITIVA – O Vasco não “esbarrou”, perdeu para a Portuguesa da Ilha na estreia do carioca. Mas, afinal, ameniza O Globo, é um “time de garotos”, ainda em formação etc.

05 de março – STJD nega pedido do Vasco e não anula jogo contra Inter – NEUTRA.

06 de março – Vasco encaminha saídas de Pikachu e Henrique – NEUTRA.

07 de março – Garotos vascaínos evoluem, mas esbaram na experiência do rival – POSITIVA – Mais uma vez o Vasco não perdeu (apesar da vitória de 1 a 0 do outro time), “esbarrou”, mas como são apenas “garotos” é preciso ter calma, houve evolução apesar da derrota e ainda por cima enfrentamos o “experiente” Volta Redonda de Madrid.

08 de março – Vasco anuncia primeiras novidades da temporada – POSITIVA – As novidades: Ernando e Marquinhos Gabriel.

09 de março – Zeca está perto, oito têm saída confirmada – POSITIVA – “O Vasco tem pressa para montar o quanto antes o elenco que disputará a série B”, diz o início da matéria, anunciando ainda que o lateral Zeca “está perto”.

10 de março – São Paulo quer Benítez, Zeca é confirmado – NEUTRA.

Como todos os vascaínos lembram, em 2021 o Vasco foi rebaixado no início do ano, extinguiu todos os esportes olímpicos (menos o remo), ficou em 5º no Carioca e em 10º na série B!! Mesmo assim, teve samba na Barreira e uma torcida em êxtase com a venda do futebol para uma obscura empresa dos EUA.

E a operação “lobotomia vascaína” continua a pleno vapor. Nesta terça-feira (19), uma chamada do site Netvasco dizia: “Veja reportagem do ‘Globo Esporte’ desta 3ª-feira sobre o bom momento do Vasco no Brasileiro”.

O “bom momento”:

Pois é…. Enquanto isso, a torcida do derivado sem estádio, disputando a final da Copa do Brasil, a Libertadores e em 5º lugar no brasileiro, persegue e cobra dirigentes.

É lugar comum citar Sun Tzu e seu livro a Arte da Guerra, principalmente a parte sobre a necessidade de conhecer a si mesmo e ao inimigo.

A torcida do Vasco conhece mal a história do Clube e NEM SABE quem são os inimigos, quanto mais conhecê-los.

Graças a isso foi possível, com a cumplicidade de Alexandre Campelo, colocar no comando do Vasco, em princípio em postos “financeiros” e depois, com Salgado e Brant, no comando direto, vascaínos venais, que em troca da proteção midiática e de gordas comissões, aceitaram apunhalar o gigante pelas costas, vender sua tradição e enxovalhar sua honra.

A mídia já começa a higienizar os nomes que podem representar a continuidade da gestão de Jorge Salgado nas eleições de novembro: Júlio Brant, Pedrinho, Edmundo, Salomão.

Por outro lado, existe esperança, afinal “você pode enganar uma pessoa por muito tempo; algumas por algum tempo; mas não consegue enganar todas por todo o tempo”.

Esperemos que os sócios do Vasco não desmintam esta antiga verdade.

* Jornalista, vascaíno desde sempre, sócio do Vasco há 40 anos.

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