Minha amada não gosta dos meus óculos. Diz que eles envelhecem. Talvez o sensível coração da minha amada não perceba que, efetivamente, já sou um velho. Em meus ombros arqueados, carrego o peso de quase 60 primaveras.
Por D.R. Almeida*
“Mas o senhor não é assim tão velho”, dirá alguém. De fato, há gente mais velha. Porém, menos cansada e sorumbática. No entanto, não estou aqui para me queixar. Afinal, uma mulher me ama, e ela é linda. Um amigo sarcástico diz que no caso o problema da minha amada não são os óculos, mas a falta deles. Ignoro o comentário invejoso.
O único comentário que importa para mim é o que provêm dos doces lábios da minha amada. E eles dizem que estes óculos que uso me envelhecem.
Deveria eu procurar uns óculos que, de repente, me trouxessem o frescor dos 20 anos? Existirá tal mágica? Duvido.
“Deves usar uns óculos mais modernos”, afirma a musa. Escuto embevecido, mas incrédulo.
Uma amiga de infância, quando eu tinha lá meus 18 anos, disse certa vez que eu dava a impressão de já ter nascido com 35. Injustiça.
Mas talvez a palavra “moderno”, devo reconhecer, não seja a que melhor me defina.
Fui criado – não digo isso por soberba – em Vila Valqueire, subúrbio do Rio. Gosto de samba-canção, bolero, bossa nova. Será isso moderno? Dificilmente.
Pelo que leio nos jornais e vejo nas TVs, alguns valores que cultivo e que julgo imprescindíveis, como solidariedade, igualdade, etc., não passam de sucatas bolorentas e o que está na moda é um reacionarismo que nada tem de novo a não ser alguns rostos juvenis que repetem velhas platitudes. O “museu de grandes novidades”, nas palavras do grande Cazuza.
Na mesma canção Cazuza falava sobre ser um cara “Cansado de correr / Na direção contrária / Sem pódio de chegada ou beijo de namorada”.
Não estou cansado, nem preocupado pelo fato de viver correndo na direção contrária. Mas faço questão do beijo de namorada. Portanto, ei de trocar os óculos.
Afinal, o que importa não são os óculos e sim os olhos. E estes, mesmo com uma armação “moderna”, continuarão a enxergar o mundo cheios da antiga esperança.
* D.R. Almeida é Escritor, Filósofo e Jornalista