No ano de 1923, o Vasco conquistou o seu primeiro título de Campeão Carioca. Com uma equipe recheada de jogadores das camadas populares, conseguiu desbancar um a um os seus adversários. Fazendo uma campanha espetacular, a equipe vascaína fez história ao conquistar pela primeira vez o campeonato com jogadores negros e brancos de baixa condição social, abalando a estrutura do racismo e do preconceito social vigentes no futebol do Rio de Janeiro, então Capital Federal.
Devemos recordar que no decorrer da Primeira República (1889-1930), o Rio de Janeiro exerceu papel preponderante como capital cultural e local das principais decisões políticas e administrativas do país. Transformado-se no grande centro cosmopolita da nação, os acontecimentos ocorridos no espaço carioca repercutiam a nível nacional e internacional como em nenhum outro local do país.
A façanha vascaína revoltou os clubes que comandavam o futebol da Liga Metropolitana e monopolizavam os títulos de “Campeão da Cidade”. Nos primeiros meses de 1924, ocorreu uma cisão que resultou na criação de outra liga, a Associação Metropolitana de Esportes Athleticos (AMEA), cujos clubes fundadores foram o América FC, o Bangu AC, o Botafogo FC, o CR do Flamengo e o Fluminense FC.
Baseando-se no discurso falacioso da necessidade de se ter maior controle sobre “a moral no esporte” e de se defender um futebol que fosse puramente amador, essas elites visavam encobrir a luta pelo controle de uma entidade que regesse esse esporte e, consequentemente, administrasse os crescentes recursos financeiros mobilizados em torno da sua prática institucionalizada.
A AMEA convidou o Vasco para participar de seu primeiro campeonato, em 1924. Contudo, as condições para a sua participação eram extremamente desfavoráveis. A principal exigência era a exclusão por parte do Clube de 12 jogadores, dentre eles 7 dos que haviam conquistado o campeonato do ano anterior. Esses homens foram apontados pela Sindicância da nova liga como indivíduos despossuídos de condições morais para a prática do futebol, baseando-se no critério do analfabetismo e das condições e natureza das profissões dos jogadores vascaínos.
Os estatutos da AMEA tinham por objetivo impedir que clubes montassem equipes competitivas com jogadores das camadas populares e, consequentemente, tivessem condições de conquistar o campeonato, o que o Vasco havia feito.
Em resposta às exigências preconceituosas da AMEA, o então presidente vascaíno, José Augusto Prestes, emitiu um ofício comunicando que desistiria de fazer parte da associação por “não se conformar com o processo porque foi feita a investigação das posições sociaes desses nossos consócios, investigação levada a um tribunal onde não tiveram nem representação nem defesa” (Ofício nº261, 07 de abril de 1924).
A negativa vascaína em 1924 representou o repúdio total da entidade ao racismo e ao preconceito social em voga no futebol da Cidade do Rio de Janeiro. Dessa forma, os dirigentes vascaínos deixaram claro que, enquanto instituição, o Clube não aceitaria essa situação. O Vasco então, por não acatar as condições que lhe foram impostas, retorna para a Liga Metropolitana de Desportos Terrestres (LMDT).
Neste mesmo ano, impulsionados pela tentativa dos ditos “grandes clubes” em enfraquecer o Vasco, os dirigentes vascaínos já debatiam seriamente a compra de um terreno para a construção de um estádio próprio, enxergado como meio de se obter total autonomia para o Clube.
A força da Instituição, baseada no seu corpo associativo e na capacidade do Clube de atrair uma grande massa de torcedores, fazia com que o Vasco não pudesse ser relegado pelos demais. Durante o campeonato de 1924, continuava a levar multidões aos estádios, demonstrando a sua pujança. O Vasco conquistaria de forma invicta o Campeonato Carioca, o primeiro dos seis que ostenta atualmente, sagrando-se Bicampeão (1923-1924).
Os clubes fundadores da AMEA, ao verem que mesmo fora de um campeonato organizado por sua liga o Vasco mantinha-se forte, não encontraram outra solução senão a de ter que convidá-lo novamente para fazer parte dessa associação. Como consequência, o Clube passou a fazer parte da AMEA no ano de 1925, com status de clube fundador e podendo contar com todos os seus jogadores, inclusive, os atletas negros.
Em defesa de sua política de seleção de jogadores sem quaisquer discriminações e no intuito de se ver livre dos onerosos alugueis de estádios, o Vasco adquiriu o terreno para a construção da sua “própria casa”, em 28 de março de 1925. Assim, o surgimento de São Januário está intrinsecamente ligado à luta do Vasco em prol de um futebol sem distinção de raça ou condição social. O Estádio Vasco da Gama, inaugurado em 21 de abril de 1927, então o maior estádio da América do Sul, é uma demonstração cristalina da força da Instituição e de seu ímpeto em levar a cabo os seus ideais.
Rio de Janeiro, 7 de Abril de 1924.
Officio No 261
Exmo. Snr. Dr. Arnaldo Guinle,
- D. Presidente da Associação Metropolitana de Esportes Athleticos.
As resoluções divulgadas hoje pela Imprensa, tomadas em reunião de hontem pelos altos poderes da Associação a que V. Exa. tão dignamente preside, collocam o Club de Regatas Vasco da Gama numa tal situação de inferioridade, que absolutamente não pode ser justificada, nem pelas defficiencias do nosso campo, nem pela simplicidade da nossa séde, nem pela condição modesta de grande numero dos nossos associados.
Os previlegios concedidos aos cinco clubs fundadores da A.M.E.A., e a forma porque será exercido o direito de discussão a voto, e feitas as futuras classificações, obrigam-nos a lavrar o nosso protesto contra as citadas resoluções.
Quanto á condição de eliminarmos doze dos nossos jogadores das nossas equipes, resolveu por unanimidade a Directoria do C.R. Vasco da Gama não a dever acceitar, por não se conformar com o processo porque foi feita a investigação das posições sociaes desses nossos consocios, investigação levada a um tribunal onde não tiveram nem representação nem defesa.
Estamos certos que V. Exa. será o primeiro a reconhecer que seria um acto pouco digno da nossa parte, sacrificar ao desejo de fazer parte da A.M.E.A., alguns dos que luctaram para que tivessemos entre outras victorias, a do Campeonato de Foot-Ball da Cidade do Rio de Janeiro de 1923.
São esses doze jogadores, jovens, quasi todos brasileiros, no começo de sua carreira, e o acto publico que os pode macular, nunca será praticado com a solidariedade dos que dirigem a casa que os acolheu, nem sob o pavilhão que elles com tanta galhardia cobriram de glorias.
Nestes termos, sentimos ter que comunicar a V. Exa. que desistimos de fazer parte da A.M.E.A.
Queira V. Exa. acceitar os protestos da maior consideração estima de quem tem a honra de subscrever
De V. Exa. Atto Vnr., Obrigado.
(a) José Augusto Prestes
Presidente
Fonte: Site Oficial do Club de Regatas Vasco da Gama
Obrigado por compartilhar este artigo!!!
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Certíssimo, História Maravilhosa do Vasco, contra tudo e contra todos, clube que desde o início de sua história, deu espaço pra negros, analfabetos, nordestinos, operários a fazerem parte de sua brilhante história futebolistica, Sempre Vasco.