As contas do Campello e a verdade escondida no poço

Como sabem os vascaínos que acompanham o noticiário sobre política interna do Vasco, nesta quinta-feira (6) o Conselho Deliberativo do CRVG resolveu reprovar as contas de 2018 de Alexandre Campello. Algumas reações de jornalistas e grupos políticos a esta reprovação fazem lembrar a história medieval sobre a verdade no poço.

Para quem não se lembra a historinha é mais ou menos essa: a Verdade e a Mentira, duas moças, um dia se encontraram e a Mentira foi muito agradável e educada: “Veja, Verdade, que dia bonito”. A Verdade olhou para o céu e, realmente, o dia estava lindo. Esta e outras banalidades da Mentira fizeram a Verdade gostar da companhia, até que chegaram a um poço. Disse então, a Mentira: “Verdade, veja como a água está tépida. Estamos sozinhas. Ninguém nos vê. Vamos tirar nossas roupas e nos refrescar um pouco?” A Verdade tocou a água com a mão e viu que realmente a temperatura estava muito convidativa e concordou com a Mentira. Ambas se despiram e entraram no poço. Ocorre que em um momento de distração da Verdade, a Mentira saiu do poço, pegou as roupas da Verdade e desatou a correr. A Verdade, quando se deu conta, também saiu do poço e, recusando-se a vestir as roupas da Mentira, partiu nua em perseguição à ladra. No entanto, a população da cidade, ao ver a Verdade nua, começou a apupá-la, ofendendo-a devido a sua nudez, o que obrigou a Verdade a retroceder e se refugiar no poço, onde diz a lenda, está até hoje, pois as pessoas preferem a mentira desfilando com a roupa da Verdade do que a própria Verdade nua.

Ora, esta historieta clássica vem bem a calhar quando nos deparamos com certa reação à reprovação das contas. De início o presidente do Clube, Alexandre Campello, ficou em estranho silêncio. Nem uma declaração defendendo suas contas. Logo ele. A vaidade em pessoa, ficar silente… Estranho. Tudo restou claro nesta sexta-feira. Campello não precisava realmente se pronunciar. Provavelmente ele “adivinhou” que estava sendo preparado um panfleto para ser publicado no site do grupo Globo, este grupo de comunicação que, como sabem os vascaínos, tem um indisfarçável amor pelo Vasco.

O jornalista que escreve a peça de propaganda de uma gestão falida é o mesmo que em abril de 2019 disse que só havia quatro times grandes no Brasil: Palmeiras, São Paulo, Corinthians e Flamengo. Ele também colocava entre os grandes “ocasionais” outros quatro clubes (de novo sem constar o Vasco). O primeiro deste patamar dos grandes “ocasionais” (portanto, o quinto do Brasil na lógica do “especialista”) era nada menos do que o Cruzeiro… Como se vê, entende tudo de análise de gestão este rapaz.

A coluna de “opinião”, reproduz, por coincidência – em tom panfletário – exatamente OS MESMOS argumentos da administração Campello e dos que pretendem esconder o caos do dia a dia em que o Vasco está mergulhado com falsidades e promessas delirantes jamais cumpridas, em típico caso da Mentira usando as roupas da Verdade.

Lembram, por exemplo, do Campello dizendo que se o Vasco passasse de 18 mil para 30 mil sócios o Clube teria condições de comprar um grande craque?

Pois o Vasco, graças a sua maravilhosa torcida, passou de 18 mil para 184 mil sócios em um feito inédito no mundo. E o que é, no entanto, o dia a dia do Vasco? Atrasos constantes de salários, contas não pagas, acordos não cumpridos e que irão gerar futuras despesas milionárias ao clube, centenas de trabalhadores demitidos sem receberem nada dos seus direitos, constantes pedidos de empréstimos, prorrogação de patrocínios a preços vis, engessando uma possível nova gestão que terá que honrar contratos onde a marca Vasco é subvalorizada, e, como cereja do bolo, a declaração espantosa do próprio Alexandre Campello de que o Vasco para se estabilizar precisa urgentemente de 200 milhões de reais.

Junte-se a tudo isso a constante negativa da Diretoria Administrativa em remeter ao poder competente do Clube os documentos exigidos em uma atitude típica de um caudilho e temos o cenário perfeito para, mais do que justificar, exigir a reprovação das contas.

Mas o que é a realidade diante de uma auditoria da BDO? Sim amigos, quase todo o argumento em defesa do descalabro financeiro produzido pela pífia gestão Campello é que a BDO, teoricamente, a referenda.

E o que é a BDO? É uma franquia de uma empresa de auditoria internacional com sede na Bélgica. No Brasil, o dono da Franquia é um ex-cartola do Corinthians, Raul Corrêa da Silva. Por mais nome que tenha a franquia, a simples chancela da BDO, por si só, não quer dizer nada. Espanta que mesmo pessoas com senso crítico “esqueçam” que firmas de auditoria, de análise de risco, etc., são empresas comerciais, sujeitas à competição do mercado que nem sempre (para ser comedido) leva muito em consideração o rigor ético, como nos mostra a crise econômica de 2008, quando auditorias e agências de análise de risco garantiam segurança máxima em empresas que pouco depois faliram espetacularmente.

A BDO Brasil, por exemplo, era responsável por auditar o balanço da JBS. Nas auditorias, o balanço da JBS era aprovado com louvor, porém descobriu-se depois que parte significativa da peça contábil era baseada em diversos tipos de fraudes. A Comissão de Valores Mobiliários abriu então uma investigação sobre o caso em 2017. Veja matéria do Valor Econômico sobre o assunto.

CVM decide inspecionar BDO RCS e KPMG, que auditaram JBS

A matéria de propaganda do “especialista” também tenta voltar a dividir os vascaínos entre defensores e críticos do falecido presidente Eurico Miranda. Clara tática de inimigos do Vasco que tentam a todo custo semear a cizânia entre os vascaínos. Ora, se a reprovação das contas tinha como intenção oculta, segundo o especialista, referendar o balanço de Eurico Miranda de 2017, então por que razão a imensa maioria dos beneméritos e grandes beneméritos votou a FAVOR das contas do Campello e, portanto, segundo o raciocínio do jornalista, contra o Balanço da época do Eurico? Dos 75 Grandes Beneméritos e Beneméritos presentes à reunião (quase que a totalidade composta por ferrenhos defensores do ex-presidente) 57 votaram pela aprovação das contas (76%). Esta é outra “coincidência” entre o texto do jornalista e a pregação que Alexandre Campello faz às escondidas para certos setores, de “superar a era Eurico”. É evidente que para outro público, o discurso também é outro. Afinal, Campello, quando morrer, o que esperamos que aconteça depois de uma vida longa e com saúde, não terá, em sua elegia, palavras como lealdade e franqueza, qualidades das quais ele é totalmente destituído.

Voltando ao assunto: os que votaram pela aprovação das contas, em sua imensa maioria, o fizeram com a legítima preocupação de não expor o Vasco publicamente. Mas mesmo estes sabem que o Conselho Fiscal não teve acesso à documentação da venda do Paulinho por 76 milhões, a maior transação da histórica do Vasco, feita totalmente às escondidas. O dinheiro foi depositado na conta de um banco no exterior e até hoje não se informou aos poderes do Clube como esse dinheiro foi gasto. Cito isto apenas para dar um exemplo, pois certamente o Conselho Fiscal está preparando uma resposta à altura ao pretenso “especialista”.

A maioria da torcida e dos sócios está apoiando a iniciativa do Conselho Deliberativo de reprovar as contas de Alexandre Campello como a inauguração de um novo tempo no clube. Afinal, depois de uma muito longa jornada escondida no poço, a Verdade vascaína, nua, desfilou na Sede Náutica da Lagoa no último dia 6.

Como aconteceu há séculos na historinha que abre este texto, uniu-se contra ela uma poderosa aliança que inclui, desde pessoas bem intencionadas, mas cegas pelo conservadorismo, até toda uma plêiade de hipócritas, arrivistas, aventureiros, apoiados por parte da mídia que tem profundo amor pelo Vasco. Essa gente apupa e apedreja a Verdade nua exigindo que ela volte ao poço e, de preferência, leve o Vasco junto.

Não iremos permitir.

Wevergton Brito Lima, jornalista, Conselheiro do Clube de Regatas Vasco da Gama

 

6 comentários

  1. Vocês não são mais vascaínos do que eu, ou que qualquer outra pessoa. A proximidade com a política do Vasco não fazem de vocês mais importantes que ninguem. E a esmagadora maioria dos vascaínos, de norte a sul, reprovam as atitudes de vocês, e condenam o senhor ROBERTO MONTEIRO e a sua turma. Só isso deveria ser motivo pra irem embora do clube, torcer como qualquer outro torcedor. Mas não, são incapazes de ‘largar o osso’. Querem se sentir importante, criando um pretexto de que fazem o melhor pro clube. Enquanto se enganam, prejudicam um clube centenário e milhões de torcedores indiretamente.

  2. Wevergton, parabéns pelo brilhante texto, como sempre!!!
    Começamos ver terra a vista com eleições diretas, reforma do estatuto e reprovação de peça de ficção do balanço superavitário.

  3. Belo texto caro jornalista Weverton B. Lima, mais uma demonstracao de seu talento no uso das palavras, desenhando um cenário do que se passa no CRVG e fazendo uma narrativa interessante pós reprovacao de contas do atual Presidente do Vasco da Gama. Parabéns !!!!!!

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