O bar, ou melhor dizendo, o “store – cafe – bar” (como está escrito na entrada), fica ao lado do meu prédio. Abriu, por azar (deles), pouco antes da pandemia. Chama-se Brookylin, e tem uma lojinha de roupas e babilaques diversos, além de bar e música ambiente. Tem também uma área aberta, espécie de pracinha, muito agradável e convidativa. O estabelecimento claramente pretende atrair gente moderna e alternativa, hipster, em um linguajar mais atual.
Aqui pela região (Asa Norte – Brasília) é um dos poucos bares que reabriu. A imensa maioria continua fechada ou faliu de vez.
Na última quarta-feira (2 de setembro), depois de longos meses longe de bares e afins, não resisti, e desci para o Brookylin. O plano era simples: munido de um “tablet”, pois o Brookylin não tem TV, assistiria o Santos e Vasco pela rodada do brasileirão enquanto bebia umas cervejas.
O bar não estava cheio, tampouco vazio. Nunca tinha ido lá e fui muito bem atendido. Instalado, dei uma olhada no cardápio das comidinhas, todas elas com o nome em inglês. Pedi um “Meat and Chips”, pensando que se o prato fosse simplesmente “Carne e batatas”, o preço cairia uns 30%, mas por outro lado, talvez não fosse tão saboroso, quem sabe?
O jogo estava no intervalo quando um cidadão, moderno da cabeça aos pés, se debruça no caixa e, com ar de “sócio proprietário” diz que “no Super Bowl temos que dar um jeito de transmitir. O público do futebol é sempre igual. Não nos interessa. Agora, Super Bowl e Êne Bi Ei tem um público diferente”. Ele disse isso e eu estava a apenas dois metros de distância com a camisa do Vasco. Definitivamente, camisa do Vasco (ou de qualquer time que não seja de futebol americano ou de basquete da NBA) não é hipster e não combina com o estilo da casa.
Que pena, pensei, estava gostando… Fui bem atendido e já estava imaginando o impacto que causaria em Vila Valqueire (orgulhoso bairro do subúrbio carioca) ao contar da minha familiaridade com o exclusivo mundo dos alternativos.
Nesta segunda-feira, dia da independência, 7 de setembro, desci para ir à padaria. Na volta, uma senhorinha andava a minha frente em passos rápidos, talvez receosa pois não havia quase ninguém na rua. Usava um chapéu tipo australiano, com as cores da bandeira brasileira. De repente, três mulatos, relativamente jovens (trinta e poucos anos) e devidamente embriagados já de manhã cedo, surgem no caminho. O mais doidão deles olha pro chapéu da senhorinha e começa a cantar uma música do Cazuza, com voz de bêbado: “Brasil, mostra sua cara, quero ver quem paga…”, a senhorinha quase voa de tanto que apertou o passo. Quando passei pelo “cantor” ele olhou minha máscara, com o símbolo da Cruz de Malta, e gritou, eufórico: “É o gigante da colina moleque! Tem que respeitar”. Nos cumprimentamos tocando os punhos fechados, essa nova forma de saudação imposta pela pandemia.
Segui meu caminho sorrindo e a velhinha desta vez diminuiu o ritmo para desabafar comigo: “Viu só? A gente nem pode sair de bolsa na rua!”. Olhei para ela. Uma fita circundava seu chapéu verde-amarelo com a palavra Brazil grafada assim mesmo, com Z. Segui meu caminho sem responder e ela ficou lá parada surpresa. Os rapazes nada haviam feito de errado. Nenhum gesto ou palavra ameaçadora. Eram trabalhadores, que, muito provavelmente, ao fim da noite de véspera de feriado resolveram festejar e quando se tem 30 anos é comum (e até necessário) que a noite se prolongue até a manhã seguinte. É claro que o “sócio proprietário” fã do Super Bowl e da NBA olharia com certo desprezo para as vestimentas dos três boêmios pobres, convencionais e surradas.
O único problema deles – além do estilo não hipster de vestir – é que fazem parte da maioria real da população brasileira: negra e mestiça, trabalhadora, explorada e sem espaço nas “áreas nobres” de seu próprio país que é, agora mais do que nunca, política e culturalmente neocolonizado.
Enfim, voltei pra casa e vi que o Brookylin está fechado. Parece que só funciona de quarta a domingo. Conclusão: hoje não tem meat and chips. Dia da independência mais sem graça.
Por Wevergton Brito Lima
E viva o Vasco (o Palmeiras também, claro!) e o povo simples que quer que Super Bowl e NBA se explodam!