Golpe, falsas narrativas, liminares, estelionato eleitoral, venda, falsas narrativas, liminares… Não há santo na ciranda.
Por Leandro Fontes*
Os Roxos (Mais Vasco) e os Amarelos (Sempre Vasco) deram o Golpe na eleição de 7 de novembro de 2020 em São Januário, quando concorreram cinco chapas no rito do estatuto. Diferente da eleição online bancada pelo Sr. Mussa que teve somente duas chapas (parecidas programaticamente) e 393 votos a menos do que a eleição de 7/11/2020. O resultado todos sabemos: Jorge Salgado vence Júlio Brant. Diante da crise de duas eleições questionadas, a gestão Salgado se sustentou numa liminar.
De todo modo, Salgado foi eleito com um discurso que o Vasco era autossustentável e, sob sua administração, o clube iria equacionar dívidas e montar um time de futebol competitivo. Porém, não demorou muito para a gestão Salgado aplicar o programa original dos Amarelos, isto é, vender o Vasco (sob uma liminar) para a 777 depois de rebaixar o clube em 2020 e mantê-lo na Série B em 2021.
Por sua vez, os Amarelos, no Conselho Deliberativo formado pelo Golpe de 7 de novembro 2020, leram e avalizaram o contrato sigiloso e, consequentemente, votam junto com os Roxos a venda de 70% do futebol para a obscura 777 Partners comandada por Josh Wander que pode ser preso a qualquer momento. Paralelamente, a gestão Salgado se consolidou como a pior da história do clube, ao ponto de sequer apresentar um nome para concorrer na eleição seguinte.
Quer dizer, a pior gestão da história vendeu o futebol “na xepa” para uma empresa desconhecida norte-americana no passo que o então presidente do Vasco, também credor do clube, não iria concorrer à reeleição. Porém, a narrativa apresentada por Salgado, Osório, Adriano Mendes, Duque Estrada, Otto e cia, massificada pela Globo, SportTV, jornalistas de opinião na mídia como Rodrigo Capelo e por canais monetizados pró-venda, foi tão avassaladora, que levou a maioria de boa fé dos associados e da torcida para uma ilusão, que, é preciso registrar, foi alertada por uma minoria da oposição do clube que se posicionou contrária a venda e o modus operandi do contrato.
Assim sendo, a eleição de 2023 no Vasco acabou sendo um espelho da AGE (Assembleia Geral Extraordinária) que aprovou por 79,44% contra 19,89% a SAF e, por consequência, a venda do futebol para a 777. Um engodo que ficou marcado pela cena estapafúrdia da comemoração da gestão Lesa-Vasco de Jorge Salgado com algumas dezenas de sócios e membros de torcidas organizadas. Diante dessa onda, os Amarelos, com apoio da Globo (que massificou a narrativa pró-venda) e dos Roxos, venceram a eleição com 64,20% contra 35,11% sob o “guarda-chuva” da imagem de Pedrinho, que para além de defensor da venda, reservava prestígio como ex-jogador do último período de ouro do clube e como ex-comentarista da TV Globo.
Todavia, o programa eleitoral da campanha Pedrinho foi baseado no fortalecimento da SAF e da relação com a 777. Nada mais natural, afinal Pedrinho (assim como Edmundo) é membro orgânico da Sempre Vasco, corrente política co-protagonista da venda do Vasco. Acontece que quando assumiu o volante da associação, Pedrinho descobre que a venda tirou o poder que ingenuamente imaginou que teria na partilha de opiniões e decisões com a 777. Diante do colapso financeiro da 777, com os Roxos fora de cena (desmoralizados pela gestão Salgado), e com Júlio Brant, garoto propaganda da ideia do “Vasco-empresa” bandeado para o lado dos 70% da SAF e atuando como “consigliere” de Lúcio Barbosa, Pedrinho resolveu adotar uma linha “caudilha”, mesmo sem endosso momentâneo de parte dos aliados que o colocaram no poder da associação.
De tal forma, conforme exposto na coletiva desta quinta-feira (16), Pedrinho e seus correligionários de confiança, utilizaram o método do judiciário para conquistar de modo relâmpago uma liminar que tira provisoriamente os poderes da 777 da SAF do Vasco. Isto é, nesse momento a associação possui 61% das ações e a 777, 31%. De tal forma, Pedrinho foi acusado por parte de seus apoiadores de estar cometendo estelionato eleitoral pela intervenção na SAF com “risco de levar o Vasco ao velho modelo associativo”. Entretanto, como ficou nítido na coletiva que a gestão Pedrinho busca uma nova venda. Resta saber para quem (fala-se em Crefisa, o que me parece improvável pelas declarações da Leila Pereira no programa Roda Viva e por minúcias da Lei da SAF), qual porcentagem das ações estaria em jogo e o risco que o Vasco corre de vender para uma “888” ou ser “marmita” de mercadores como o Cruzeiro.
Todavia, a 777 irá recorrer e os ideólogos (Brant’s, Capelo’s e Youtubers em folhas de pagamento) da venda irão contra-atacar, com objetivo de ganhar a opinião massiva dos vascaínos para a ideia que mexer com a SAF e, portanto, nesse momento com a 777 e seu obscuro contrato, é jogar o Vasco do precipício para a morte. Quando se trata justamente do oposto, diante da flagrante situação em que o Vasco se encontra enlaçado num contrato sigiloso com uma empresa-pirâmide com todas as características de uma quadrilha de colarinho branco denunciada internacionalmente e que na SAF Vasco coleciona episódios de amadorismo e incompetência, tanto sob a caneta do CEO rubro-negro Luiz Mello, quanto de Lúcio Barbosa.
De tal forma, o quadro ainda é incerto. A luta política, judicial e de narrativas irá se aprofundar, contrariando os propagadores da venda que arrotam o Vasco gerido por uma empresa como solução para eliminar os conflitos políticos do clube. Mas, o tempo é o senhor da verdade e o demolidor de toda incoerência. Portanto, três considerações precisam ficar claras: 1) nessa ciranda de estelionato eleitoral, falsa narrativas, liminares e venda do futebol para 777, há mais de 19% (AGE) e 35% (votos na oposição em 2023) que não possui suas digitais na composição que jogou o Vasco nesse buraco; 2) a crise da 777 possibilitou a elevação do alcance das opiniões em defesa do clube da oposição, que é de abertura do contrato com a 777, aferição dos termos, tendo como horizonte a retomada do futebol para a associação; 3) mesmo que de modo contraditório, o choque da gestão Pedrinho com a 777, que se materializou como liminar, abriu a oportunidade dos vascaínos debaterem de modo concreto a possibilidade da associação resgatar o futebol. Essa hipótese precisa ganhar musculatura, embora os protagonistas da liminar contra a 777 não tenham essa estratégia. Por isso, cabe aos setores da oposição e aos vascaínos que estão convencidos e tantos outros que se convenceram, tomar essa responsabilidade, fazendo todos os esforços para que a bandeira da retomada do futebol se torne um movimento irreversível, com força para arrastar setores e com poder suficiente para reversão do futebol ao associativo, seu verdadeiro dono.
* Professor de geografia e autor do livro Vasco: o clube do povo – uma polêmica com o flamenguismo (1923-1958).