Drummond e o futebol

Em 2003 eu tinha uma coluna no recém lançado Portal Vermelho chamada “No ângulo esquerdo”, onde o assunto era futebol. Esta coluna específica sobre o Drummond, pasmem os senhores, chegou a cair em um vestibular em São Paulo, sendo talvez um dos primeiros textos digitais a ter essa honra. Na época, o pessoal da redação do Vermelho me mandou o PDF que eu acabei perdendo. Mas a crônica ainda está aí, agora republicada no Pega na Geral. 

Wevergton Brito Lima

Em uma coluna anterior, ao me referir à Garrincha, citei um texto de Carlos Drummond de Andrade onde ele exaltava, de forma lírica, a magia do “anjo de pernas tortas”.

Recentemente, o camarada José Arnaldo (que ostenta entre seus inumeráveis defeitos o de ser torcedor fanático do Flamengo, mas por outro lado é um excelente amigo) me presenteou com o livro “Quando é dia de futebol”, editado pela Record em 2002, e que reúne textos sobre futebol escritos pelo poeta.

Com prefácio de Pelé, o livro é uma leitura deliciosa (apesar do prefácio, dirá algum maledicente). Além do talento de Drummond, que dispensa comentários, o leitor irá se deliciar com textos curiosos, como “Enquanto os mineiros jogavam”, escrito em 1931, onde Drummond revela seu espanto ao se deparar com conterrâneos ouvindo um jogo de futebol pelo rádio, quando mineiros e cariocas se defrontaram na então capital da república. Escreveu Drummond: “Não posso atinar bem como uma bola, jogada à distância, alcance tanta repercussão no centro de Minas”. Com o passar do tempo, o leitor nota que Drummond passa não só a compreender esse fenômeno, como também se torna parte dele.

Ao ganhar o livro, imediatamente procurei ver se nele havia um texto escrito para o Jornal do Brasil em 1982, após o Brasil ter sido eliminado da Copa do Mundo. Meu pai era assinante do JB e Drummond conseguiu captar, naquele texto, toda a beleza singela que envolve essa paixão nacional, em um texto comovente, que ficou marcado em minha memória, e que, para minha alegria encontrei no livro. O título é “Perder, Ganhar, Viver”. Aí vai um trecho: “Vi gente chorando na rua, quando o juiz apitou o final do jogo perdido; vi homens e mulheres pisando com ódio os plásticos verde-amarelos que até minutos antes eram sagrados; vi bêbados inconsoláveis que já não sabiam por que não achavam consolo na bebida; vi rapazes e moças festejando a derrota para não deixarem de festejar qualquer coisa, pois os seus corações estavam programados para a alegria”.

O ponto baixo do livro é que os seus organizadores, Luis Mauricio e Pedro Augusto (netos do poeta), escolheram vários textos onde o futebol não era o assunto principal, e nem ao menos secundário. O critério fica claro: bastava aparecer a palavra futebol, ou alguma outra relacionada ao tema, e o texto era incluído.

De qualquer maneira isso é largamente compensado pelas poesias e por crônicas como “Mané e o Sonho”, citada no início deste artigo.

Quando é Dia de Futebol revela o Drummond torcedor, e torcedor vascaíno ainda por cima. Em diversos textos o poeta exalta, reclama e torce pela seleção e pelo Vasco como se estivesse em uma arquibancada. Como nos versos finais da poesia “A Semana Foi Assim”:

“E viva, viva o Vasco: o sofrimento
há de fugir, se o ataque lavra um tento.
Time, torcida, em coro, neste instante,
Vamos gritar: Casaca! ao Almirante.
E deixemos de briga, minha gente.
O pé tome a palavra: bola em frente”.

 

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