Eleições no Vasco: Apenas um desabafo

Na última sexta-feira à noite (6/11), fiquei sabendo que as eleições do Vasco estavam confirmadas para o sábado. Moro fora do Rio há mais de cinco anos, atualmente em Brasília. Não deixo de votar em uma eleição vascaína desde o longínquo ano de 1985.

Resolvi que iria de qualquer maneira, colocando em risco meu já precário equilíbrio financeiro, e comprei uma passagem no último voo daquela noite. Antes, liguei para meu irmão, um advogado competente, também eleitor vascaíno, mas que, por motivos profissionais, não iria conseguir sair de Salvador, onde mora, para votar, embora fosse essa sua vontade. Perguntei a ele se havia alguma possibilidade de acontecer uma decisão que, ao final, desmarcasse de novo a eleição, tornando inútil meu esforço pessoal e financeiro para ir ao Rio. A resposta, taxativa, foi mais ou menos nestes termos:

Não existe chance de a eleição não acontecer. A decisão mandando realizá-la foi de um desembargador. Só um colegiado de desembargadores pode agora rever esta decisão. E só depois de a decisão ser analisada por este colégio de desembargadores, é que, segundo a Constituição, ela pode ser alvo de um recurso a uma instância superior, no caso o STJ. Ou seja, chance zero. Qualquer coisa diferente seria um estupro ao Direito, pode ir tranquilo”.

Com esta garantia, de quem entende muito do assunto, embarquei rumo ao Rio. No sábado, cheguei em São Januário às 11 horas e logo entrei na fila. Outro amigo, morador de Brasília, Severino Marcos, também estava a caminho e chegaria no voo de meio-dia, mas não consegui encontrá-lo.

São Januário estava muito movimentado. Carros de som tocando os jingles das chapas, muita gente com as camisas de seus candidatos ou com a camisa do Vasco. Só chegou minha vez de votar às 14 horas, ou seja, foram três horas de fila.

A fila em si não era problema, é que eu estava enfrentando outro dilema, sou editor de um site sobre política internacional, e justamente naqueles momentos o estado da Pensilvânia dava a Joe Biden a maioria numérica necessária para vencer a eleição americana. Enquanto tentava atender o celular e falar sobre o assunto, o que era impossível devido ao barulho dos carros de som e da movimentação geral, ansiava para voltar a um computador e ter como terminar as matérias sobre minha responsabilidade.

Tudo bem, o mais importante é que não deixaria de votar e exercer minha responsabilidade como sócio. Fiz amizade com um vascaíno que veio de Manaus. Ele já tinha comprado a passagem e havia cancelado a viagem quando a eleição foi adiada. Quando, na noite de sexta-feira, ele soube da realização da eleição, conseguiu reverter o cancelamento, mas pagou 1.200 reais de taxa extra, além dos 2.800 que já havia gastado antes na aquisição das passagens. Contando com hotel e outras despesas, ele calculava que o custo para votar tenha sido de cerca de seis mil reais. “Sou professor, não sou rico. Mas meu pai, que faleceu antes de a minha filha nascer, há três anos, pediu, quando ela estava grávida, que o nome da menina fosse Roberta, em homenagem a seu ídolo de infância, Roberto Dinamite. Não quero que minha filha cresça com o Vasco nesta situação. Eu tinha que vir”, contou o manauara. Infelizmente, não guardei seu nome. Aliás, apesar de termos conversado muito, falando do Vasco “de antigamente” (mesmo sendo ele bem mais jovem) nem ele nem eu perguntamos um ao outro em quem votaríamos. Talvez, inconscientemente, queríamos preservar o fato de que, independentemente das nossas escolhas políticas, erámos irmãos vascaínos.

Apenas depois de termos votado ele perguntou em quem eu votei e descobri que ele também era eleitor do Leven. Lá fora, ao sairmos do ginásio, a fila e o barulho pareciam ainda maiores. Nisso, chega Jorge Salgado, saudado pelos correligionários, que gritaram seu nome. Ninguém vaiou ou xingou o candidato. A mesma coisa havia acontecido com o Leven, que vimos chegar quando estávamos na fila. O clima era mais de festa do que de briga e o único incidente aconteceu quando um membro da chapa do Júlio Brant (Rodrigo Stockler Campos) agrediu um Grande Benemérito de 62 anos (Luis Manuel Fernandes), apoiador do Leven.

Minha percepção empírica era a de que Leven estava em nítida vantagem, o que era confirmado por todas as enquetes.

Despedi-me do meu novo amigo de Manaus e fui trabalhar. Durante o restante do dia fiquei acompanhando o desenrolar da eleição e os informes eram invariáveis. Leven iria ganhar. Já de noite, meu irmão me liga: “O estupro aconteceu. Surgiu uma liminar do STJ mandando suspender a eleição”. Olhei para o relógio: eram quase 20h30m, a eleição já havia transcorrido durante 11 horas sem qualquer dificuldade. Meu irmão matou a charada na hora: “com certeza o presidente da Assembleia Geral, o tal do Mussa, vai se dar por intimado e querer melar a eleição. A chapa de seus filhos e neto deve ficar em terceiro e ele vai não vai aceitar isso”. Não bateu na trave. O que o Mussa não contava é que o Alcides Martins, subprocurador geral da República e vice-presidente da Assembleia Geral, assumiu os trabalhos quando ele decidiu abandonar a eleição e determinou a contagem dos votos. Contagem feita com a presença da imprensa, de dois candidatos, à vista de todos, menos, é claro, dos que, por livre e espontânea vontade, abandonaram a eleição por oportunismo e cálculo político. A contagem relevou o que já se esperava, Leven ganhou a eleição, Jorge Salgado ficou em segundo e a chapa dos filhos e do neto do Mussa ficou em terceiro.

Nesta terça-feira (10), o Mussa anuncia que haverá “eleição” no próximo sábado, onde só concorrerão a chapa do Jorge Salgado e a chapa dos seus filhos e neto, já que os outros três candidatos já anunciaram que não irão participar. Eu mesmo não participo de maneira nenhuma desta manobra espúria e concordo 100% com o presidente eleito que conclama os vascaínos a boicotarem este absurdo. “E a justiça, vai permitir este atentado à democracia? Não vai referendar a vitória do Leven? Jogará no lixo os votos de mais de 3 mil e 400 pessoas?”, perguntará o leitor.

Não sei responder. Faço, neste texto, apenas um desabafo. E como desabafo é que compartilho um pensamento que a estranha liminar do STJ fez surgir em minha mente: talvez a famosa venda nos olhos da justiça não seja para garantir sua imparcialidade (aplicando a lei, sem ver a quem), mas sim para impedir que ela veja quem a está estuprando.

Bom, espero estar errado e a justiça seja feita. Não tanto por mim, a quem o Vasco já deu tantas alegrias, mas pela Roberta… pelas milhões de Robertas…

Wevergton Brito Lima, jornalista

 

7 comentários

  1. SHOW de texto. E a pilantragem continua. Daqui a 20 anos ninguém, ou quase ninguém, vai colocar o nome num filho que remonte aos atuais ou futuros jogadores, creio.

  2. Parabéns pelo texto, enaltecedor sob a perspectiva de quem fez de tudo para contribuir com a democracia Vascaína para que no futuro as “Robertas” possam ver um Vasco forte e vencedor.

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