Insustentável incoerência do ser

Ouve-se, aqui e acolá, intermináveis vaticínios sobre o VASCO DA GAMA: “vendendo almoço para pagar o jantar”;  “o CD nada faz para impedir isso …”; “deixa o homem governar”; “a política interna é suja e destrói o Club”, entre muitos outros lugares comuns. Dentre os mais contundentes, destaco dois: “.. as eleições de 2020 …” e “… ao invés de 10, 20 jogadores comuns, muito melhor direcionar o dinheiro para trazer 1 craque …”.

Por José Blanco

Aqueles que se escondem no discurso de 2020 entendem que uma vez empossado, como mágica, uma carta branca seria dada ao mandatário eleito, que submeteria o Club, seus poderes e estatuto, aos caprichos e às luzes do ungido. Como se nesse interregno se suspendessem as vicissitudes, a conjuntura, e a realidade que as amolda, num perene estado de torpor, cuja letargia só admissível quebrar quando de outra eleição. Enquanto isso “passa boi passa boiada” sem qualquer controle que não o dá vontade do Príncipe.

A realidade, essa natureza sem cabresto, segue seu curso, impondo-se inapelavelmente.

Nesse mundo sem Montesquieu, sem freios e contrapesos, os destinos do Club se subsumiriam a um cesarismo de araque, despreocupado da hipótese de rebaixamento, para ficar no tema da ordem do dia. Tema este que não pode ser tratado como das vezes anteriores, simplesmente porque a cota de TV, que, hoje mais que ontem, nos mantém por aparelhos, será retirada: de 70 passaríamos para míseros 5 milhões de reais! A premência dos fatos impõe uma solução de compromisso hoje, a congelar qualquer projeto Político (com P maiúsculo) de 2020, porque o rubicão se dará bem antes, em verdade, na melhor das hipóteses, na 38ª rodada do campeonato brasileiro. “Deixar sangrar” como política (com P minúsculo) não atingirá somente o presente; soterrará o futuro. Eis a questão.

Sobre craques e promessas, nada como emular o exercício do papel do historiador, a lançar luz sobre o passado, para desnudar o presente. Vamos copiar essa boa prática a seguir.

Na última campanha eleitoral, o atual presidente do VASCO reiteradas vezes afirmou que era preferível encorpar o time com um craque que trazer vários jogadores medianos: qualidade x quantidade. Não é necessário ser nenhum gênio da raça para entender que a lógica subjacente ao projeto de arregimentar um craque traz, para além de problemas pontuais, vários benefícios: dá peso ao time; atrai patrocinadores; aumenta o quadro associativo. Enfim, produz uma espiral positiva; galvaniza vontades, vale dizer, atrai desejo de ali também estar, quebrando o receio de outros bons jogadores de entrarem numa canoa furada; dá ânimo novo ao elenco e insufla a base a se desdobrar para aparecer na ribalta.

En passant, não se atrai um craque só com dinheiro! É preciso um projeto de pertencimento, que mobilize valores soterrados pela financeirização e consumismo desvairados da vida moderna. Dinheiro não traz glória ou idolatria. Tal sentimento, tal projeto nunca existiu, por isso não temos um craque no time. Nem mesmo algum foi sequer especulado.

Voltemos. No discurso do candidato havia lógica. Faltava ver o método!

Hoje, passados quase ano e meio de efetiva gestão, podemos afirmar, sem erro: na prática o método foi outro, com o que houve a completa rendição da lógica. Prosperou só o deserto de ideias.

Sem leviandades, ao se percorrer os passos trilhados pela gestão, o primeiro a se notar é que o candidato fez um discurso, e, diuturnamente, agora como gestor, atuou para o negar. Foi uma transmutação de Dr. Jakyll para Mr. Hyde, que simplesmente levou a ruptura com o grupo político do qual era egresso, num movimento impossível de prever e de reverter no convencimento. Dê poder e veja como a pessoa é, diz o adágio popular.

Livre dessa amarra com o passado, ao forçar a ruptura com grupo que lhe impunha recordar, tanto os compromissos assumidos, quanto o projeto para o Club, eis que o processo de negação se acelerou, culminando em 3 fatos empiricamente constatáveis:

1 – empréstimo financeiro sem autorização expressa do CD, notícia que veio à tona com o Balanço, logo contra o estatuto; 2 – negação abusiva de informações ao CF, logo contra o estatuto; 3 – direção inexorável ao caos no futebol com CINCO vitórias nas últimas TRINTA partidas disputadas no campeonato brasileiro. FATOS!!

A falta de transparência da atual gestão, que agride sistematicamente o Estatuto, escusando-se que outros assim agiram, torna tortuoso descobrir a dimensão integral do que de fato está ocorrendo.  Mas, após penoso processo de levantamento de dados nas poucas fontes disponíveis, é possível antever, ao menos, a ponta do iceberg.

Sabe-se, hoje, que a transação do jogador “Paulinho” rendeu ao intermediário do negócio a bagatela de 7.2 milhões de reais, ou, como disse o presidente na entrevista coletiva de 31 de janeiro último: recebeu a praxe do mercado, vale dizer, 10% do negócio.

Isso é uma falácia! A FIFA recomenda como justo o pagamento de até 3% do valor do negócio ao intermediário. Então, aritmeticamente falando, o Vasco pagou o triplo do justo.  Se fosse o “padrão” FIFA seriam 2.3 milhões de reais. Estamos diante de diferença de aproximadamente 5 milhões de reais. Valor vital para um Club com o caixa combalido.

Por lógica meridiana, pois, podemos deduzir a institucionalização da prática do dízimo no VASCO DA GAMA.

Uma digressão: e qual a defesa da instituição contra o mandatário de plantão se a “praxe” subir para 15, 20 ou 30%?  É uma questão em aberto que está soterrada, mas precisando urgentemente vir à luz para domesticar pedagogicamente ansiedades através dos freios e contrapesos.

Na CBF se consegue apurar algumas pistas do que ocorre nas entranhas do VASCO.  Em seu último “relatório de intermediações de 2019” (período de abril 2018 e março 2019), com base em informações espontaneamente prestadas pelos clubes, informou-se que o VASCO declarou:

1º – pagamentos de R$2.328.725,00 em comissionamentos para intermediários (vulgo empresários);

2º – “transacionado” o total de 21 atletas. Transacionado entendido como: contratos definitivos; de empréstimo; prorrogação; prorrogação com alteração salarial; vínculo não profissional);

Essas informações fornecidas pelo VASCO da gestão Campello são críveis? Razoáveis?

Não se sustenta o item 2 sobre a informação de que o VASCO transacionou 21 atletas, quando se sabe que um time, entre titulares e reservas tem, ao menos, 23 jogadores (3 sendo os goleiros). Mas deixemos a impressão de lado para espancarmos qualquer margem de dúvida, e vamos à informação: dos 21 jogadores listados pela atual gestão, apenas 7 tiveram alguma passagem pelo time profissional, são eles: Henrique, Castán, Marrony, Ricardo Graça, Thiago Galhardo, Tiago Reis e Lucas Kal.  E cadê os outros 16 que atuaram no time? Já se antevê o tamanho da obscuridade a que estamos submetidos no VASCO da gestão Campello.

Sobre a informação do comissionamento do item 1 é caso de flagrante má-fé! Não sou quem diz, são os fatos!! Só o comissionamento na transação do “Paulinho” foi TRÊS VEZES aquele declarado, sem que essa transação fosse informada à CBF.

Avancemos, pois! Levando em consideração as informações lançadas no BID da CBF, podemos afirmar que o VASCO chegou a incrível marca de 140 movimentações naquele cadastro, vale dizer, SETE VEZES mais que o declarado no item 2, levando em consideração o mesmo paradigma de “transacionado” do VASCO. Ou, pasme-se, quase CENTO E VINTE transações não informadas!!

Evidente que a ausência dessas informações manipula o real valor pago em comissionamento no decorrer de 2018, e, também sonega os nomes daqueles que intermediaram esses negócios futebolísticos.

Sentiu-se confuso com o texto. Não se trata de redação do ENEM com começo, meio e fim a exprimir uma direção unívoca e lógica do que se sucede no VASCO. A vida é mais complexa e turbulenta, com idas e vindas correndo em paralelo.

Todo descompasso entre o VASCO tetracampeão brasileiro e o que nós vemos no atual estádio é reflexo da INCOERÊNCIA.

A César o que é de César!

É o Presidente que traiu suas palavras e os compromissos do então candidato em campanha ao pregar a ideia do craque, da campanha de sócios para garantir o craque, do fim do nepotismo, da transparência.

A torcida apoiou, ressabiada, já antevendo o que muitos, ainda hoje, renitentemente, se negam a admitir. O contributo gerado já garantiria o início do projeto do craque. Evidente que, uma vez iniciado, a palavra afiançada sendo cumprida, esse processo de associação ganharia impulso natural.

O que se fez? Exatamente o oposto!! É o vice de futebol, que não por acaso é o próprio presidente, quem arquitetou a operacionalização de um elenco que transitou, em 2018, na ordem de 57 jogadores*!! Isso mesmo que você acabou de ler (veja a incrível lista ao final do texto).

O resultado dessa política foi o time amargar a 16ª colocação no campeonato brasileiro, a 1 mísero ponto do rebaixamento.

Você prontamente imaginou: tamanha incompetência febrilmente demonstrada seria revista para o ano subsequente. Qualquer pessoa razoável daria um cavalo de pau, certo? Ledo engano. 2019 mal começou e promete, pois até fins de maio já transitaram 49 jogadores no elenco do time profissional. Resultado insofismável: o time amarga somente a lanterna com a pior campanha nos pontos corridos jamais feita.   Ao invés de rever a política do futebol, se aumentou a dose cavalar do praticado em 2018, com a vã esperança que o errado desse certo.

A coisa é tão escandalosa que o atual técnico do time exigiu que o elenco fosse enxugado, pois impraticável administrar tanta gente.

A vida segue seu curso e há sempre chance de um novo recomeço.

De minha parte, levantei questões e dados para subsidiar conversas de mais alto nível em todas as esferas do Club.  Para aqueles que acham que o caminho está correto, há farto material para demonstrar o acerto da direção tomada.  Aqueles que estão desconfortáveis, há elementos para provocar questionamentos diretos a atual direção do Vasco.  Já para os demais que estão convencidos que o precipício já está estabelecido com o atual estágio de coisas, há ideias que permitem convergências para a construção de uma Política de compromisso que supere as divergências ocasionais em prol de uma verdadeira mudança de rumos.

É por tudo isso que esta nossa “insustentável leveza do ser” se transformou na Insustentável Incoerência do Ser a merecer a correta intervenção para nos afastar do caos.

José Blanco é conselheiro do Club de Regatas Vasco da Gama 2018/2020

* Martin Silva; Rafael Galhardo; Erazo; Oswaldo Henríquez; Breno; Desábato; Fabrício; Wellington; Kelvin; Thiago Galhardo; Andrés Rios; Evander; Paulinho; Maxi Lopez; Gabriel Felix; Luis Gustavo; Ricardo Graça; Andrey; Rafael França; Rildo; Riascos; Lenon; Wagner; Dudu; Paulo Vitor; Maranhão; Pikachu; Bruno Paulista; Caio Monteiro; João Pedro; Castán; Giovanni Augusto; Ramon; Bruno Silva; Vinícius Araújo; Raul; Consendey; Fernando Miguel; Werley; Miranda; Lucas Kal; Henrique; Marrony; Moresche; Hugo Borges; Rodrigo Fernandes; Bruno Ritter; Jordi; Luan Gama; Lucas Santos; Jomar; Ulisses; Marcelo Mattos, Nenê.

 

2 comentários

  1. Em toda minha ecistencia sempre fui VASCAINO, mas nunca me sdnti tão envergonhado, ao ponto de ser motivo de chacota em todos os segmentos. Este Alexandre Campello está transformando o VASCO num time sem respeito , sem entusiasmo , sem vontade sem coração.

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