O jornalismo esportivo e o papagaio malandro

A rodada de estreia do campeonato brasileiro  da série A começou mostrando mais uma vez o que todos já sabem: o baixo nível técnico. Não, não estou falando dos jogadores. Estou me referindo ao baixo nível técnico do jornalismo esportivo, principalmente o televisivo. Com raras exceções, se os comentaristas esportivos fossem substituídos por papagaios o telespectador dificilmente notaria a diferença de discurso, com a vantagem de que, em alguns casos, o papagaio provavelmente se expressaria em um português melhor.

Por Wevergton Brito Lima*

De fato, a repetição de platitudes, chavões e lugares comuns em boa parte das mesas de debates é avassaladora. Com um mês de estágio o papagaio malandro já teria aprendido de cor todas as respostas e análises. Umas das primeiras coisas que o esperto animal aprenderia é: no futebol brasileiro existem dois tipos de erros de arbitragem: os que beneficiam os times “certos” e os que beneficiam os times “errados”.

Neste último final de semana boa parte dos programas televisivos de esporte foi dedicada a análises de supostos erros de arbitragens nas partidas do Vasco e do Flamengo.

No primeiro caso, o do Vasco, foi interessante a reação da mídia. Perdendo com um gol que nasceu de uma jogada irregular, o Vasco empatou e chegou à virada com um pênalti que, no momento da marcação, foi quase unânime a opinião de que o árbitro acertou. O comentarista de arbitragem da Globo disse que foi pênalti. No Sportv (também do grupo Globo) o comentarista Lédio Carmona igualmente apontou pênalti. Depois, ao rever o lance, mudou de opinião, coisa normal, embora ao meu ver o pênalti seja claro.

O que chama a atenção é que, a partir daí, o que era confuso e difícil de definir foi tratado como coisa límpida e sem margem para dúvida. No programa Troca de Passes do mesmo Sportv, apresentado na noite de domingo, os comentaristas Roger Flores (só por aí já se vê o nível), Marcelo Barreto e Tiago Maranhão trataram o polêmico lance como se ele fosse de uma clareza absoluta. Foi comovedora a unanimidade. Toda a análise do jogo foi centrada na arbitragem e no que Marcelo Barreto chamou de “gol maroto” do Vasco. Os “analistas” ignoraram solenemente detalhes realmente insignificantes do ponto de vista jornalístico como o fato de o Vasco ter tido 62% da posse de bola, ter feito 25 cruzamentos contra sete do Galo, ter batido nove escanteios contra apenas três do clube mineiro, e por aí vai. O que importava, para os analistas, era o “gol maroto”.

No segundo caso, do jogo do Flamengo, uma bola batida pelo Vitória em um chute forte  estourou no rosto do defensor do Flamengo, posicionado em cima da linha de gol. Apesar do atleta do rubro-negro carioca ter levantado as mãos em uma reação instintiva de proteção, o que pode ter confundido o árbitro, ele não toca com a mão na bola em nenhum momento. O juiz, erradamente, marca pênalti contra o Flamengo. Pra quê? Logo no dia seguinte o intimorato chefe da comissão de arbitragem da CBF, Coronel Marcos Marinho, apressou-se em anunciar que o infeliz trio de arbitragem iria ser afastado dos jogos da série A para uma “reciclagem”.

Se existisse jornalismo esportivo no Brasil, alguém iria perguntar ao Coronel Marcos Marinho  porque ele usou um critério tão diferente do que foi adotado no campeonato brasileiro do ano passado, quando, para citar apenas um exemplo, pela 24ª rodada do campeonato brasileiro,  o jogador do Corinthians, Jô, fez um gol contra o Vasco, que deu a vitória ao seu time, usando o braço.

Eu estava no Estádio do Corinthians neste dia, na arquibancada atrás do gol, e o lance, que também se definiu na linha do gol, foi nítido até para um ancião com catarata. Mas, neste caso, a celeridade do “Coronel” foi no sentido inverso. Logo no dia seguinte apressou-se a declarar que “Eles (o trio de arbitragem) deram as explicações e entendemos”. Marcos Marinho descartou na ocasião qualquer punição ao trio de arbitragem e numa frase de humor involuntário ainda arrumou uma desculpa para o árbitro adicional, posicionado ao lado do gol, não ter visto o que todo o estádio viu: “A trave ficou bem na frente”, declarou ao jornal Folha de S. Paulo.

Já no erro acontecido no jogo Vitória x Flamengo as explicações dos árbitros, se é que neste caso foram pedidas, não convenceram o “Coronel”. Nem mesmo a trave – que, ao contrário do que parece pensar o “Coronel” fica sempre parada (um costume antigo das traves) – desta vez serviu de álibi ao trio de arbitragem que foi remetido sem escalas à Série B, para a tal “reciclagem”.

A parcialidade do “Coronel” tem a função de mandar um recado muito claro para os árbitros brasileiros: se prejudicar Flamengo ou Corinthians o pau come, se prejudicar qualquer um outro pode não acontecer nada ou pode até acontecer de você ser premiado. Assim sendo, na dúvida, os árbitros sabem o que fazer para não contrariar o “Coronel”.

A cumplicidade e o silêncio de grande parte da mídia esportiva também são águas que servem para girar este moinho.

O que fazer diante disto? Considero um bom exemplo a postura corajosa do presidente do Palmeiras depois de mais um lance esdrúxulo na final do campeonato paulista, onde tudo indica que uma interferência externa ilegal mudou uma decisão da arbitragem, beneficiando o Corinthians.

O Palmeiras divulgou imagens mostrando que no jogo em questão o próprio diretor de Arbitragem da Federação Paulista de Futebol, pasmem os senhores, Dionísio Roberto Domingos (que sucedeu neste cargo ninguém menos do que o famoso Coronel Marcos Marinho, vejam como as coisas se encaixam), durante o lance que originou toda a polêmica, aproximou-se duas vezes da linha lateral para falar com um dos árbitros assistentes, árbitro assistente este que depois conversou com o árbitro principal que, afinal, depois de tanta conversa, desmarcou o pênalti que havia marcado a favor do Palmeiras, em uma cena que já está virando rotina principalmente em jogos de Flamengo e Corinthians.

A mídia esportiva noticia esta justa luta do Palmeiras, pois não tem como esconder, mas não dá o destaque que o assunto merece. Aliás, o comentarista Marcelo Barreto, na segunda-feira (16), continuava revoltado com o erro do árbitro que prejudicou o Flamengo no jogo contra o Vitória e exigia, furioso, providências da CBF, sendo aplaudido por seus pares de forma unânime.

Escrevendo este artigo passou um pensamento absurdo pela minha cabeça: será que as emissoras de TV conseguiram inventar uma forma de fazer uma transmutação, onde papagaios adquirem forma humana e viram comentaristas esportivos?

Isso, é claro, é uma bobagem de uma mente ociosa, mas da próxima vez, ao encontrar um “coleguinha” destes vou perguntar, só pra tirar a dúvida: “dá o pé, louro?”.

  * Wevergton Brito Lima é jornalista

9 comentários

  1. Perfeito sua análise !
    Se os dirigentes dos outros 22 clubes da série “A” tivessem caráter , se reuniram e parava tudo até essa caixa preta do futebol ser aberta.
    Tinham que refundar uma liga , tipo clube dos 13.

  2. Voces viram o que aconteceu no treino do Flamengo no maracana ? A torcida (vandalos) quebraram dezenas de cadeiras . as emissoras nao mostraram nada. Mas. Se fosse torcida de outro time. Seria manchete.

  3. É verdade pura e verdadeira. Se o êrro é contra Flamengo ou Corithians, tem notícia exaustiva, todo o dia, toda hora, o dia inteiro. Ao contrário, quando é a favor, pacecem um bando de mudos e cegos. E, assim, eles vão garantindo seus empregos e os dois clubes vão se mantendo no noticiário.

  4. Quando estes dois times perdem, os locutores falam: Flamengo/Corinthians perderam. Quando deveriam dar ênfase aos ganhadores ex
    Vasco ganhou do Flamengo.

  5. SE FOSSEMOS ANALISAR PROFUNDAMENTE O FUTEBOL BRASILEIRO DE 1971 ATÉ ESSE INÍCIO DE 2018 VEREMOS CLARAMENTE O FLAMENGO E O CORÍNTHIANS SENDO BENEFICIADOS SEMPRE . O FUTEBOL ESTÁ SENDO FOCADO PARA QUE ELES ( CORÍNTHIANS E FLAMENGO ) TENHAM A HEGEMONIA NO NOSSO FUTEBOL . É CLARO PERCEBER TODAS AS ARMAÇÕES FEITAS PELA CBF , FEDERAÇÃO PAULISTA E CARIOCA E MAIS A GLOBO E ALGUNS MAUS INTENCIONADOS ÁRBITROS DE FUTEBOL E O MAIS DESCARADOS DE TODOS O EX~ÁRBITRO JOSÉ ROBERTO WRIGHT QUE EXPULSOU VÁRIOS JOGADORES DO ATLÉTICO MINEIRO BENEFICIANDO O TIME DO FLAMENGO .

  6. Brilhante!!!
    O jornalismo está cheio de torcedor mas não o comum, aquele fanático que defende seu time, o coloca acima de todos os outro.
    Isso tem influência direta na receita dos clubes com patrocínio . Essas mesas redondas segue o seguinte cronograma em seus programas em 1h : 25min do Corinthians, 25min do Flamengo e 5 cinco dos outros time outros 5 falam mal da cbf ou do campeonato.
    Isso é uma vergonha para uma imprensa livre mas que faz mal uso da liberdade de expressão.

  7. Excelente análise. O jornalismo esportivo está repleto de palpiteiros e reprodutores do senso comum construído as “maiorias” acríticas. O autor do texto acima prova que é possível falar sobre esporte de manira crítica e inteligente. Parabéns!!!

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