Por que o Vasco está tão exposto aos “erros” de arbitragem e o que a próxima eleição tem a ver com isso? – Parte 1

No lance à esquerda, o Var considerou que o gol do Ceará, de camisa preta contra o Vasco, foi legal, no lance à direita, o gol do Vasco de camisa preta contra o Flamengo, foi ilegal.

Otto Von Bismarck, o unificador do Estado Alemão, disse certa vez (ou pelo menos atribui-se a ele): “Se os homens soubessem como são produzidas a lei e a salsicha, não respeitariam a primeira e não comeriam a segunda”.

Esta frase poderia ter uma variante para o futebol brasileiro: “Se as pessoas soubessem como funcionam os bastidores do futebol, não perderiam mais tempo assistindo as partidas”.

Não estamos dizendo que vilões se reúnem em uma sala e definem os resultados dos jogos de acordo com suas paixões clubísticas e interesses financeiros. Geralmente é mais sutil do que isso, mas funciona e, infelizmente interfere concretamente.

Assim, as declarações públicas de Presidentes de Comissões de Arbitragem e outros dirigentes em torno da pretensa isenção com que as decisões de campo são tomadas, diferem em muito do que se passa nos bastidores. Neles, são traficadas promessas de atendimento a sonhos e desejos pessoais, realizados ou não de acordo com o desempenho deste ou daquele time na tabela.

Caso o leitor seja amigo de alguém que conheça por dentro os corredores da CBF e das principais federações, e essa pessoa tenha a sua confiança, pergunte a ela se o que está escrito aqui é mentira.

Uma carreira exemplar

Do nada, vejam vocês, me veio à mente uma lembrança sobre a carreira exitosa do árbitro José Roberto Wright. Recordam? Para refrescar a memória, comecemos pelo famoso caso do Atlético Mineiro e Flamengo pela Libertadores de 1981, quando Wright, que viajou para o Serra Dourada (em Goiás) no avião com a delegação do Flamengo, expulsou cinco jogadores do Galo nos primeiros 37 minutos da partida, começando pelo principal jogador, Reinaldo, o primeiro a ser expulso. A partida não continuou, o Galo foi eliminado e o Flamengo declarado vencedor, para a alegria de Roberto Marinho, falecido dono da TV Globo, torcedor fanático do rubro negro da Gávea*.

Muitos consideram que a atuação do Wright nesta partida foi uma das piores de um árbitro na história. O pesquisador inglês Luke Dempsey, autor do livro Club Soccer 1001, classificou a partida como “uma farsa”. Vejam um trecho do seu comentário citado pelo jornal britânico The Guardian:

O primeiro jogador do Atlético a receber o cartão vermelho, aos 20 minutos, foi Reinaldo, após uma entrada bastante inócua sobre Zico; poucos minutos depois, Éder também foi expulso, tendo acidentalmente esbarrado no árbitro na cobrança de falta. Éder, de forma perfeitamente compreensível, caiu de joelhos, horrorizado com o cartão vermelho”.

Um ano depois deste episódio, Wright atendeu a um pedido da Globo e usou, sem que as equipes soubessem, um microfone escondido para gravar as reações dos jogadores de Vasco e Flamengo no clássico que decidia a Taça Guanabara de 1982, áudios que a Globo divulgou com exclusividade em reportagem de 40 minutos no Esporte Espetacular.

Wright, inicialmente punido com 40 dias de suspensão, reverteu a punição com facilidade na CBF. Depois disso José Roberto Wright teve uma ainda longeva carreira na arbitragem, marcada por outras polêmicas, o que não o impediu de ser inclusive indicado para apitar uma Copa do Mundo (1990).

Quando se aposentou foi contratado, em 1998, adivinhem por quem? Justamente, o leitor é muito perspicaz: pela TV Globo, onde desempenhou o papel de comentarista de arbitragem (parem de rir, o assunto é sério) durante 13 longos anos.

Ao sair da Globo foi contratado pela CBF onde trabalha até hoje na Comissão Nacional de Arbitragem, desempenhando a função de ouvidor, ou seja, é ele quem recebe as possíveis reclamações sobre erros de arbitragem (está bem, podem rir).

A sutileza da coisa

O favorecimento a uma agremiação é determinado, em geral, pelo peso político, econômico e midiático que ela detêm e pela capacidade de seus dirigentes de usarem a influência que isso gera, seja para evitar que seu time seja prejudicado (o que é legítimo), seja para fazer com que a regra do jogo tenha certa elasticidade conveniente.

No final das contas é este tipo de poder que influi decisivamente nos milímetros que podem apontar uma posição legal ou ilegal em um lance importante de gol ou o grau de rigor que determinará o cartão amarelo ou o vermelho. Nestes momentos decisivos, mesmo que de forma inconsciente, passa pela cabeça do árbitro, em campo ou na cabine do VAR, entre outras coisas: “Estarei presente nas próximas escalas das principais competições?”; “Serei escalado em algum jogo com transmissão nacional?”; “Será que algum dia serei indicado para apitar uma copa do mundo?”, “quando me aposentar, conseguirei, em uma emissora importante, um cargo de comentarista?”, e, ainda em pensamento, o mesmo árbitro pode responder a si mesmo: “depende de quem eu agradar ou desagradar com minhas decisões”.

E o Vasco nisso tudo?

O Vasco já começa a história com um pecado original: não gozaria jamais da simpatia de uma elite de mentalidade escravocrata e reacionária um clube de subúrbio, que construiu sua trajetória combatendo o racismo, incluindo no futebol negros e operários.

Lembro até hoje de uma reportagem do Jornal do Brasil, no “Caderno B” na década de 1980, onde se publicou uma matéria sobre coisas pretensamente “fora de moda”. Uma das coisas “fora de moda” era simplesmente a camisa do Vasco. O JB acabou, sua majestosa sede na Avenida Brasil virou hospital e o Vasco segue com a camisa mais bonita do mundo.

(continua amanhã)

* Quem duvidar leia o livro de Pedro Bial, “Roberto Marinho”. Será, de fato, um sacrifício, pois a biografia é um exercício de bajulação, mas pelo menos explica o fanatismo pelo rubro-negro carioca que dominava o Grupo Globo.

Wevergton Brito Lima, jornalista

6 comentários

  1. Coincidências não existem seja numa partida de sueca,jogo de peteca, quiçá na maior fonte de renda esportiva do País. Os Marinhos quando se apossaram do futebol e do samba impuseram a ‘regra’ onde em primeiro lugar estão seus interesses políticos e econômicos, através da ‘ exclusividade’ de transmissões,onde usa a concessão pública de forma privada liberando o ‘sinal’ conforme seus interesses.
    Quanto ao pilantra do apito citado é o retrato da canalhice estabelecida – lembram do Edilson da fraude nos resultados nos jogos incluídos na Loteria Esportiva?

  2. Perfeita síntese dessa história sombria que vinga até hoje, infelizmente. Se fosse contada em detalhes, daria uma coleção de vários volumes. 👏👏👏

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